A comunidade de Fordlândia é uma vila localizada nas margens do rio
Tapajós, pertencente ao município de Aveiro, estado do Pará que em 1928
foi o local escolhido por Henry Ford para instalar uma fábrica de
borracha natural no interior do Brasil e fugir do monopólio do produto
imposto pelos ingleses.
Apesar do empreendimento americano não ter dado certo, hoje esta comunidade ainda guarda várias construções desse episódio passado, além de ser um bom local de partida para os pescadores de tucunaré, pois localiza-se perto de ilhas e lagos onde esse peixe é muito frequente."
Apesar do empreendimento americano não ter dado certo, hoje esta comunidade ainda guarda várias construções desse episódio passado, além de ser um bom local de partida para os pescadores de tucunaré, pois localiza-se perto de ilhas e lagos onde esse peixe é muito frequente."
UM PEDAÇO DA HISTÓRIA - ASCENÇÃO E QUEDA.
Materia encontrada em um site de um pesquisador piaiense, achei interessante pois parte da história é desconhecida por muitos conterrâneos no intuito de divulgar mais Fordlândia minha terra natal vou publicar em quatro partes.
PARTE I
Matem todos os americanos
A revolta de trabalhadores na
Amazônia contra os gerentes de Fordlândia
Nas primeiras décadas do século
xx, Henry Ford foi a cara do progresso industrial. De sua fábrica em Detroit,
apelidada de Palácio de Cristal, saíram um milhão de carros do modelo T em
1915. Tendo inventado a linha de montagem e, com ela revolucionado o processo
produtivo nas fábricas, Henry Ford instituiu normas igualmente rígidas para a
vida comunitária de seus operários.
Dono de florestas no Michigan e
de minas no Kentucky e na Virgínia, ele dispunha de todos os recursos
naturais necessários à produção automobilística. Exceto o látex para os pneus.
Por isso, em 1927, Ford olhou para o Brasil. Ao invés de comprar a
matéria-prima que lhe faltava, adquiriu quase 15 mil quilômetros quadrados de
terra na margem do rio Tapajós, perto de Santarém, no Pará. Queria ter o seu
próprio seringal na Amazônia. Contratou mão de obra local e fez brotar da selva
uma cidade que deveria emular, em todas as minúcias, a vida americana - uma
cidade com rua principal de comércio, casinhas enfileiradas, calçadas, praça
central, dança de quadrilha e abstinência. Batizou-a de Fordlândia
e imaginou estar plantando uma
civilização, além de seringueira.
Deu tudo errado e as ruínas do
empreendimento - onde jamais se colheu uma só tigela de látex - foram
devolvidas ao governo brasileiro. A seguir, um capítulo da saga: o da revolta
dos trabalhadores brasileiros contra os gerentes americanos.
Em dezembro de 1930, os
trabalhadores terminaram a pintura do logo da Ford no marco que até hoje
distingue Fordlândia: sua torre de 50 metros e a cisterna de 570 mil litros.
"Quando se olha do convés de um vapor fluvial", escreveu Ogden
Pierrot, adido comercial na embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro,
"as imponentes estruturas do setor industrial da cidade, com o tremendo tanque
de água e a chaminé da usina de força, chamam a atenção e provocam
deslumbramento."
Odgen Pierrot prosseguiu:
Isto não é incomum quando se
considera que, por vários dias, os únicos sinais de vida que aliviavam a
monotonia da viagem eram assentamentos ocasionais, que consistiam de duas ou
três cabanas cobertas de palha contra um fundo de selva verde. Uma sensação de
incredulidade domina o visitante quando ele vê de repente, projetado à sua
frente, um quadro que pode ser considerado uma miniatura de uma cidade industrial
moderna. Chaminés expelindo uma pesada nuvem vinda de restos de madeira usados
como combustível; uma locomotiva fumegante à frente de vagões carregados de
maquinário recém-chegado dos Estados Unidos; guindastes executando movimentos
infindáveis para retirar cargas pesadas de balsas atracadas na longa doca;
tratores se arrastando pelos morros com implementos para soltar e nivelar a
terra, outros puxando cabos presos a troncos de dimensões gigantescas - tudo
aumenta o espanto causado nos visitantes que desconhecem o distrito, que não
tinham ideia do que foi realizado no breve espaço de pouco mais de dois anos.
Foi trabalhoso encontrar um apito
de fábrica que não enferrujasse com a umidade da selva. Ele foi instalado no
alto da torre de água, acima das árvores altas, tornando-o visível a mais de 11
quilômetros de distância. O apito era estridente não só para chegar aos
trabalhadores dispersos no campo, mas também para ser ouvido do outro lado do
rio, onde pessoas que não tinham nada a ver com Fordlândia começaram a pautar
os dias pela regularidade da nova sirene. O apito era suplementado por outro
ícone do trabalho industrial nas fábricas: os relógios de ponto, colocados em
diferentes lugares da plantação, que registravam o momento exato em que cada
funcionário iniciava e terminava o dia de trabalho.
Em Detroit, ao chegarem às
fábricas da Ford, os trabalhadores imigrantes, mesmo quando vindos do campo,
tiveram várias oportunidades de se adaptar aos ritmos da vida industrial. As
longas filas em Ellis Island, os relógios pendurados nas paredes de depósitos e
salas de espera, os horários relativamente precisos de navios e trens dividiam
o arco diário do sol em zonas combinadas para orientar os seus movimentos e
mudar a sensação de como os dias se passavam.
Já na Amazônia, a transição entre
tempo agrícola e tempo industrial foi muito mais brusca. Antes de chegar a
Fordlândia, muitos camponeses que viviam na região estavam habituados a ter a
jornada regida por apenas dois relógios, distintos e complementares. O primeiro
era o sol, com sua ascensão e queda marcando o início e o fim do dia, seu ápice
sinalizando a hora de ir para a sombra e dormir. O segundo era a alternância
das estações: a maior parte do trabalho necessário à sobrevivência era feita
durante os meses relativamente secos de junho a novembro. Os dias sem chuva
possibilitavam a extração do látex, enquanto o recesso das inundações expunha
solos recém-fertilizados, prontos para o plantio, e aumentava a concentração
dos peixes, tornando sua pesca mais fácil. Mas nada estava escrito em pedra.
Chuva excessiva ou períodos prolongados de seca ou calor provocavam ajustes de
planos. Antes da vinda da Ford, os trabalhadores do Tapajós viviam o tempo, não
o mediam - a maioria deles nunca ouvira sinos de igreja e, muito menos, um
apito de fábrica. Era difícil, como disse David Riker - que fazia diversos
trabalhos para a Ford, inclusive o recrutamento de mão de obra -
"transformar essas pessoas em máquinas de 365 dias".
Por outro lado, a maior parte dos
gerentes e supervisores de Fordlândia eram engenheiros, que mediam com precisão
tempos e movimentos. Uma das primeiras coisas que os americanos fizeram foi
acertar seus relógios com o horário de Detroit, no qual Fordlândia permanece
até hoje (apesar de Santarém, cidade próxima, estar uma hora atrás). Eles
coçavam a cabeça quando se defrontavam com uma mão de obra que, rotineiramente,
descreviam como "preguiçosa". A filha de Archie Weeks se lembra do
pai jogando o chapéu de palha no chão mais de uma vez, em sinal de frustração.
Impregnados pelo senso de dever, que contrariava o ritmo de vida no Tapajós, e
orgulhosamente ligados a uma empresa conhecida por sua eficiência, os homens da
Ford tendiam a tratar os brasileiros como instrumentos. Matt Mulrooney dava
apelidos utilitários a seus homens. "Este sujeito eu apelidei de
'Telefone'. Quando eu queria enviar uma mensagem ou uma ordem lá para frente,
bastava eu gritar 'Telefone!' e ele aparecia."
Os americanos usavam a si mesmos
como padrão para medir o valor dos trabalhadores brasileiros. "Dois dos
nossos carregaram com facilidade os troncos que doze brasileiros não
aguentariam", observou um funcionário no final de 1930. O que era feito em
apenas um dia em Detroit, "levaria três dias para ser feito por alguém
daqui".
Todos eles trabalhavam para um
homem, Henry Ford, cuja obsessão com o tempo era muito anterior a sua
determinação de erradicar "movimentos inúteis" e o
"afrouxamento" na linha de montagem, dividindo a atividade necessária
à construção do Modelo T em tarefas cada vez menores: 7 882, para ser exato.
Quando criança, ele já desmontava e remontava regularmente relógios de pulso e
de parede ou de mesa. "Na casa de Ford", lembrou um antigo vizinho,
"todos os relógios tremiam ao vê-lo chegar." Ele até inventou um
relógio de dupla face, uma para mostrar o "tempo solar" e a outra, a
hora de Chicago. Quando sua mãe morreu, no parto do nono filho, Henry Ford, que
tinha 13 anos, depois descreveria sua casa como "um relógio sem a mola
mestra".
Ele também sabia que tentativas
de mudar a medição do tempo poderiam provocar resistência - no passado, ele já
havia enfrentado a oposição dos empregados à aceleração da linha de montagem.
Ford tinha 22 anos quando, em 1885, a maioria da população de Detroit
recusou-se a obedecer a uma lei municipal para promover a "unificação do
tempo" - nome da campanha para conseguir que os Estados Unidos adotassem o
meridiano de Greenwich como padrão universal. Segundo o Chicago Daily Tribune,
houve uma "confusão considerável", uma vez que Detroit "mostrou
seu conservadorismo de sempre, recusando-se a adotar o horário padrão".
Foram necessárias mais de duas décadas para que a cidade "abandonasse o horário
solar" e atrasasse os relógios em 28 minutos e 51 segundos, para se
alinhar com Chicago e o restante do Meio-Oeste (a cidade mudaria para a hora
padrão do Leste em 1915, tanto para ter mais horas de luz solar quanto para
sincronizar suas fábricas com os bancos de Nova York).
Em Fordlândia, o controle
industrial implicava uma série de outras iniciativas, além de sirenes e
relógios de ponto. O pagamento quinzenal de salários, baseado nos cartões de
ponto, era a medida mais óbvia, assim como uma concepção do dia de trabalho que
fazia o mínimo possível de concessões ao clima, mantendo os trabalhadores
"no relógio" quando a chuva caía a cântaros ou a temperatura passava
dos 40 graus. O esforço para racionalizar a vida desceu aos mínimos detalhes do
dia do trabalhador. Como em Detroit, exigia-se que os empregados da plantação
usassem um crachá de metal da Ford, com o número de registro gravado e as
imagens de um complexo industrial, um avião, dois navios e uma caixa d'água. Os
mateiros que desbastavam a floresta e cuidavam das seringueiras muitas vezes
tiravam as camisas no calor e prendiam os crachás às fivelas dos cintos. O
custo de um distintivo perdido era deduzido do salário.
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