sábado, 23 de novembro de 2013

FORDLÂNDIA - UM PEDAÇO DOS EUA NO BRASIL

A comunidade de Fordlândia é uma vila localizada nas margens do rio Tapajós, pertencente ao município de Aveiro, estado do Pará que em 1928 foi o local escolhido por Henry Ford para instalar uma fábrica de borracha natural no interior do Brasil e fugir do monopólio do produto imposto pelos ingleses.
Apesar do empreendimento americano não ter dado certo, hoje esta comunidade ainda guarda várias construções desse episódio passado, além de ser um bom local de partida para os pescadores de tucunaré, pois localiza-se perto de ilhas e lagos onde esse peixe é muito frequente."

UM PEDAÇO DA HISTÓRIA - ASCENÇÃO E QUEDA.

Materia encontrada em um site de um pesquisador piaiense, achei interessante pois parte da história é desconhecida por muitos conterrâneos no intuito de divulgar mais Fordlândia minha terra natal vou publicar em quatro partes.

PARTE I

Matem todos os americanos

A revolta de trabalhadores na Amazônia contra os gerentes de Fordlândia

Nas primeiras décadas do século xx, Henry Ford foi a cara do progresso industrial. De sua fábrica em Detroit, apelidada de Palácio de Cristal, saíram um milhão de carros do modelo T em 1915. Tendo inventado a linha de montagem e, com ela revolucionado o processo produtivo nas fábricas, Henry Ford instituiu normas igualmente rígidas para a vida comunitária de seus operários.

Dono de florestas no Michigan e de minas no Kentucky e na Virgínia, ele dispunha de todos os recursos naturais necessários à produção automobilística. Exceto o látex para os pneus. Por isso, em 1927, Ford olhou para o Brasil. Ao invés de comprar a matéria-prima que lhe faltava, adquiriu quase 15 mil quilômetros quadrados de terra na margem do rio Tapajós, perto de Santarém, no Pará. Queria ter o seu próprio seringal na Amazônia. Contratou mão de obra local e fez brotar da selva uma cidade que deveria emular, em todas as minúcias, a vida americana - uma cidade com rua principal de comércio, casinhas enfileiradas, calçadas, praça central, dança de quadrilha e abstinência. Batizou-a de Fordlândia
e imaginou estar plantando uma civilização, além de seringueira.

Deu tudo errado e as ruínas do empreendimento - onde jamais se colheu uma só tigela de látex - foram devolvidas ao governo brasileiro. A seguir, um capítulo da saga: o da revolta dos trabalhadores brasileiros contra os gerentes americanos.

Em dezembro de 1930, os trabalhadores terminaram a pintura do logo da Ford no marco que até hoje distingue Fordlândia: sua torre de 50 metros e a cisterna de 570 mil litros. "Quando se olha do convés de um vapor fluvial", escreveu Ogden Pierrot, adido comercial na embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, "as imponentes estruturas do setor industrial da cidade, com o tremendo tanque de água e a chaminé da usina de força, chamam a atenção e provocam deslumbramento."

Odgen Pierrot prosseguiu:

Isto não é incomum quando se considera que, por vários dias, os únicos sinais de vida que aliviavam a monotonia da viagem eram assentamentos ocasionais, que consistiam de duas ou três cabanas cobertas de palha contra um fundo de selva verde. Uma sensação de incredulidade domina o visitante quando ele vê de repente, projetado à sua frente, um quadro que pode ser considerado uma miniatura de uma cidade industrial moderna. Chaminés expelindo uma pesada nuvem vinda de restos de madeira usados como combustível; uma locomotiva fumegante à frente de vagões carregados de maquinário recém-chegado dos Estados Unidos; guindastes executando movimentos infindáveis para retirar cargas pesadas de balsas atracadas na longa doca; tratores se arrastando pelos morros com implementos para soltar e nivelar a terra, outros puxando cabos presos a troncos de dimensões gigantescas - tudo aumenta o espanto causado nos visitantes que desconhecem o distrito, que não tinham ideia do que foi realizado no breve espaço de pouco mais de dois anos.

Foi trabalhoso encontrar um apito de fábrica que não enferrujasse com a umidade da selva. Ele foi instalado no alto da torre de água, acima das árvores altas, tornando-o visível a mais de 11 quilômetros de distância. O apito era estridente não só para chegar aos trabalhadores dispersos no campo, mas também para ser ouvido do outro lado do rio, onde pessoas que não tinham nada a ver com Fordlândia começaram a pautar os dias pela regularidade da nova sirene. O apito era suplementado por outro ícone do trabalho industrial nas fábricas: os relógios de ponto, colocados em diferentes lugares da plantação, que registravam o momento exato em que cada funcionário iniciava e terminava o dia de trabalho.

Em Detroit, ao chegarem às fábricas da Ford, os trabalhadores imigrantes, mesmo quando vindos do campo, tiveram várias oportunidades de se adaptar aos ritmos da vida industrial. As longas filas em Ellis Island, os relógios pendurados nas paredes de depósitos e salas de espera, os horários relativamente precisos de navios e trens dividiam o arco diário do sol em zonas combinadas para orientar os seus movimentos e mudar a sensação de como os dias se passavam.

Já na Amazônia, a transição entre tempo agrícola e tempo industrial foi muito mais brusca. Antes de chegar a Fordlândia, muitos camponeses que viviam na região estavam habituados a ter a jornada regida por apenas dois relógios, distintos e complementares. O primeiro era o sol, com sua ascensão e queda marcando o início e o fim do dia, seu ápice sinalizando a hora de ir para a sombra e dormir. O segundo era a alternância das estações: a maior parte do trabalho necessário à sobrevivência era feita durante os meses relativamente secos de junho a novembro. Os dias sem chuva possibilitavam a extração do látex, enquanto o recesso das inundações expunha solos recém-fertilizados, prontos para o plantio, e aumentava a concentração dos peixes, tornando sua pesca mais fácil. Mas nada estava escrito em pedra. Chuva excessiva ou períodos prolongados de seca ou calor provocavam ajustes de planos. Antes da vinda da Ford, os trabalhadores do Tapajós viviam o tempo, não o mediam - a maioria deles nunca ouvira sinos de igreja e, muito menos, um apito de fábrica. Era difícil, como disse David Riker - que fazia diversos trabalhos para a Ford, inclusive o recrutamento de mão de obra - "transformar essas pessoas em máquinas de 365 dias".

Por outro lado, a maior parte dos gerentes e supervisores de Fordlândia eram engenheiros, que mediam com precisão tempos e movimentos. Uma das primeiras coisas que os americanos fizeram foi acertar seus relógios com o horário de Detroit, no qual Fordlândia permanece até hoje (apesar de Santarém, cidade próxima, estar uma hora atrás). Eles coçavam a cabeça quando se defrontavam com uma mão de obra que, rotineiramente, descreviam como "preguiçosa". A filha de Archie Weeks se lembra do pai jogando o chapéu de palha no chão mais de uma vez, em sinal de frustração. Impregnados pelo senso de dever, que contrariava o ritmo de vida no Tapajós, e orgulhosamente ligados a uma empresa conhecida por sua eficiência, os homens da Ford tendiam a tratar os brasileiros como instrumentos. Matt Mulrooney dava apelidos utilitários a seus homens. "Este sujeito eu apelidei de 'Telefone'. Quando eu queria enviar uma mensagem ou uma ordem lá para frente, bastava eu gritar 'Telefone!' e ele aparecia."

Os americanos usavam a si mesmos como padrão para medir o valor dos trabalhadores brasileiros. "Dois dos nossos carregaram com facilidade os troncos que doze brasileiros não aguentariam", observou um funcionário no final de 1930. O que era feito em apenas um dia em Detroit, "levaria três dias para ser feito por alguém daqui".

Todos eles trabalhavam para um homem, Henry Ford, cuja obsessão com o tempo era muito anterior a sua determinação de erradicar "movimentos inúteis" e o "afrouxamento" na linha de montagem, dividindo a atividade necessária à construção do Modelo T em tarefas cada vez menores: 7 882, para ser exato. Quando criança, ele já desmontava e remontava regularmente relógios de pulso e de parede ou de mesa. "Na casa de Ford", lembrou um antigo vizinho, "todos os relógios tremiam ao vê-lo chegar." Ele até inventou um relógio de dupla face, uma para mostrar o "tempo solar" e a outra, a hora de Chicago. Quando sua mãe morreu, no parto do nono filho, Henry Ford, que tinha 13 anos, depois descreveria sua casa como "um relógio sem a mola mestra".

Ele também sabia que tentativas de mudar a medição do tempo poderiam provocar resistência - no passado, ele já havia enfrentado a oposição dos empregados à aceleração da linha de montagem. Ford tinha 22 anos quando, em 1885, a maioria da população de Detroit recusou-se a obedecer a uma lei municipal para promover a "unificação do tempo" - nome da campanha para conseguir que os Estados Unidos adotassem o meridiano de Greenwich como padrão universal. Segundo o Chicago Daily Tribune, houve uma "confusão considerável", uma vez que Detroit "mostrou seu conservadorismo de sempre, recusando-se a adotar o horário padrão". Foram necessárias mais de duas décadas para que a cidade "abandonasse o horário solar" e atrasasse os relógios em 28 minutos e 51 segundos, para se alinhar com Chicago e o restante do Meio-Oeste (a cidade mudaria para a hora padrão do Leste em 1915, tanto para ter mais horas de luz solar quanto para sincronizar suas fábricas com os bancos de Nova York).

Em Fordlândia, o controle industrial implicava uma série de outras iniciativas, além de sirenes e relógios de ponto. O pagamento quinzenal de salários, baseado nos cartões de ponto, era a medida mais óbvia, assim como uma concepção do dia de trabalho que fazia o mínimo possível de concessões ao clima, mantendo os trabalhadores "no relógio" quando a chuva caía a cântaros ou a temperatura passava dos 40 graus. O esforço para racionalizar a vida desceu aos mínimos detalhes do dia do trabalhador. Como em Detroit, exigia-se que os empregados da plantação usassem um crachá de metal da Ford, com o número de registro gravado e as imagens de um complexo industrial, um avião, dois navios e uma caixa d'água. Os mateiros que desbastavam a floresta e cuidavam das seringueiras muitas vezes tiravam as camisas no calor e prendiam os crachás às fivelas dos cintos. O custo de um distintivo perdido era deduzido do salário.

 

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