TRIBO INDÍGINA DO PADRE FLORÊNCIO FOI DIZIMADA NO ARAPIUNS.
Em decisão inédita, juiz declara inexistência de terra indígena em Santarém
A
Justiça Federal em Santarém, em decisão inédita no Pará, declarou
inexistente a Terra Indígena Maró, abrangida parcialmente pela Gleba
Nova Olinda, no município de Santarém.
Com isso, negou qualquer validade jurídica ao relatório produzido
pela Funai (Fundação Nacional do Índio), que identificou e delimitou a
área de 42 mil hectares (equivalente a 42 mil campos de futebol), sob o
fundamento de que ali viveriam índios da etnia Borari-Arapium.
Indígenas protestam contra sentença e ação missionária
Decisão que considerou indígenas “falsos” é alvo de protestos na
Amazônia que visam, também, denunciar atuação de antropólogo missionário
A sentença de um juiz federal
em Santarém que disse que indígenas do baixo rio Tapajós eram “falsos” e
que a terra indígena em processo de demarcação pela Funai era
“inexistente”, tem sido alvo de intensos protestos na cidade. Assim que
souberam do conteúdo da decisão de Airton Portela, os povos do Baixo
Tapajós e Arapiuns desceram os rios e ocuparam o Fórum. Diversos
movimentos sociais da região se uniram aos indígenas, assim como a
diocese de Santarém, a Comissão Pastoral da Terra, a Terra de Direitos,
entre outras entidades que assinam o manifesto reproduzido ao final
deste post.
A Justiça Federal fechou as portas e negou-se a receber os manifestantes, que pularam o muro e acamparam dentro das instalações. Um #Occupy na Justiça Federal. Durante a noite, foi feita uma cerimônia ritual. Ou uma “suposta” cerimônia ritual, como diria o juiz de acordo com os termos que ele utilizou na sentença para se referir aos “supostos indígenas”. Nos cartazes, chamam a Justiça de racista.
Nesse protesto chamou a atenção um cartaz inesperado: dois indígenas portam um cartaz culpando a Mormaii por financiar o “falso antropólogo” Edward Luz . Luz foi contratado pela associação Acutarm, lado oposto aos indígenas no conflito, e elaborou um laudo contra a demarcação da terra indígena. Ele se vangloriou no Twitter por ter produzido os principais argumentos acatados pelo juiz Portela contra os direitos indígenas – mesmo sem ter sido citado na sentença. Os indígenas denunciaram que a Mormaii patrocina uma ação “humanitária” na região em que ONGs ligadas a Luz são beneficiadas, e que isso estaria acirrando ainda mais os conflitos entre as comunidades, e isso repercutiu nas redes sociais.
A missão proselitista e os conflitos internos
Em seu website, a Mormaii diz que “Só uma marca como a Mormaii com espírito de aventura, arrojada e que vence obstáculos, busca atingir aqueles que precisam de ajuda, mas que dificilmente a receberiam devido às distâncias e barreiras naturais”. Essa “aventura” da Mormaii é o patrocínio do projeto “Águas da Amazônia”, coordenado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o desenvolvimento dos Povos e Comunidades tradicionais (NEP-DPTC) do Centro Universitário de Anápolis, do qual Luz faz parte. Foi Luz quem teria sugerido à Mormaii trabalhar nessa região de conflito através de uma parceria com a missão evangélica Asas do Socorro. Segundo ele, o Baixo Tapajós seria uma “região necessitada”.
Assim que a denúncia dos indígenas começou a circular, Luz apressou-se nas redes sociais a defender a Mormaii e atacar os indígenas que protestavam: “não tem nenhum "indigena" nesta foto, mas mestiços militantes q querem ser reconhecidos como tal. #AquiNãoMermão”. Luz costuma ser bastante ofensivo e agressivo nas redes contra quem pensa diferente de sua maneira: “please, não deixem esse militonto @felipedjeguaka denegrir vosso trabalho incrível no PA. Façam esse irresponsável responder”. E também: “sorte sua q eu não tenho os advogados da @mormaiioficial senão já tinha te assado na justiça” – escreveu ele, com a intenção de incitar a Mormaii a me processar judicialmente para intimidar este trabalho jornalístico, o que, além de tudo, ainda ameaça a liberdade de imprensa e de expressão.
Uma grande confusão no burburinho das redes sociais é a razão dessa aliança. Os indígenas especulam que Luz tenha procurado o investimento da Mormaii para agir em meio ao conflito de que ele mesmo é parte como antropólogo que advoga para um lado. Ao menos, a atuação das missões financiadas pela empresa de surf pode ter tido, até que o caso seja mais esclarecido, um impacto na fomentação dos conflitos e atuação racista na área. É o que informam as lideranças do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), como Dinael Cardoso.
A parceria organizada por Luz que envolve financiamento da Mormaii, a ONG holandesa Terre des Hommes, dona do barco de saúde Abaré, e a missão Asas do Socorro. O contexto da atuação das missões proselitistas na Amazônia, como a Asas do Socorro e da missão do pai de Luz, New Tribes Mission, e a busca por almas para evangelizar, foi objeto de uma longa investigação que publiquei na revista RollingStone.
Aventura na selva
Os anos de 2010 a 2012 foram bastante tensos na região da Gleba Nova Olinda, no alto rio Arapiuns. As comunidades contrárias a exploração madeireira, muitas das quais se identificam como indígenas, haviam queimado duas balsas lotadas de madeira em protesto. Queriam o fim da exploração madeireira predatória na região. E o barco de saúde Abaré, que era utilizado pelo Projeto Saúde e Alegria, que trabalha desde os anos 1980 na região, estava em disputa. Foi nesse contexto que surgiu a expedição idealizada por Luz para uma região “necessitada”. E essa ação de saúde bucal que ele trouxe para a área, de cunho “humanitário”, pode não apenas ter sido o estopim para acirrar conflitos sociais, como para a prática de proselitismo religioso.
Lideranças do CITA, como Dinael Cardoso e João Tapajós, além de outros comunitários entrevistados, disseram que o barco, enquanto funcionou com as missões evangélicas e com a Mormaii, apenas atracava em comunidades evangélicas na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, como a Prainha do Maró e a Nova Canaã. Teriam se recusado, inclusive, a atracar em comunidades não evangélicas. Essas ações também teriam sido discriminatórias, atendendo apenas àqueles que não se identificavam como indígenas, o que teria provocado mal estar — de acordo com as lideranças do CITA.
Procurei a Mormaii para ouvir da empresa a sua versão sobre essas denúncias. Liguei diversas vezes, falei com diferentes atendentes, e enviei e-mails solicitando informações. Eu já havia procurado a Mormaii em 2012, quando fui informado, pela primeira vez, pelos indígenas da região, e ouvi dois representantes da empresa que haviam se mostrado “surpresos” e se recusaram a conceder uma entrevista ou enviar um comunicado – apenas divulguei em minha conta pessoal no Twitter a relação da Mormaii com a missão Asas do Socorro.
Desta vez, após a sentença e o protesto dos indígenas, procurei, novamente, a Mormaii, e fui atendido por Sacha Juanuk, gerente comercial, que antes de começar a responder perguntas pediu o meu endereço pessoal — o que não é usual na relação entre jornalistas e entrevistados— para “enviar informativos”. Em seguida, pediu 48 horas para se pronunciar, e logo depois passou a responder parcialmente as questões, mostrando-se estar surpreso pela situação de conflito no rio Arapiuns e que envolve a ação da empresa.
“Temos hoje todo um release de um material onde deixa muito claro onde a Mormaii participa, chega e o ônus nesse projeto”, afirmou Juanuk. Pedi para ele enviar o material por e-mail para apresentar nesse texto, o que foi recusado. Algumas informações do projeto podem ser acessadas no website da Mormaii, como na página http://www.mormaii.com.br/sem-categoria/2012/05/projeto-social-aguas-da-amazonia-em-nova-missao/
Juanuk disse que não sabia que a área de atuação do projeto social era uma área de conflito na Amazônia. “Nossa filosofia de trabalho é levar qualidade de vida e elevar o nível de consciência dos evolvidos”, disse. E disse duvidar “que a Mormaii tenha envolvimento que possa afetar qualquer ser humano. A Mormaii, pela instituição, pela dimensão, afeta o meio ambiente. Mas não é isso, a nossa atividade principal é outra. A Mormaii não tem conhecimento de que essa é uma área de conflito”, insistiu Sacha Juanuk, não antes sem tecer para mim elogios do “seu bom trabalho de jornalista” através do qual, segundo ele, teria ficado sabendo do protesto dos indígenas. Juanuk afirmou que iria buscar mais informações internamente para responder as questões que fiz, porém ele não atendeu mais as ligações.
A Missão
A Asas do Socorro, parceira da empresa de surf, já foi expulsa da Venezuela e do Suriname, entre outros países, acusada de praticar proselitismo religioso. No Brasil, o proselitismo entre povos indígenas também é proibido — e as agencias missionárias desse cunho foram expulsas, em 1991, de todas as terras indígenas, durante a gestão do sertanista Sydney Possuelo como presidente da Funai. Um dos fatos que levaram à decisão da Funai foi justamente a atuação da missão evangélica presidida pelo pai de Edward Mantonelli Luz (o antropólogo contratado pela Acutarm), que se chama Edward Gomes Luz e é o presidente da New Tribes Mission no Brasil (NTMB), junto dos Zo’é, indígenas que vivem na Calha Norte do Pará e cujo acesso aéreo se dá a partir de Santarém.
A sede da New Tribes no Brasil fica na cidade de Anápolis (GO), onde também se localiza a Unievangélica, o NEP-DPTC — de Luz filho — e a Asas do Socorro. O contexto dessas organizações missionárias, que integram o guarda chuva da Associação das Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) cujas ações são descritas pela Procuradoria Geral da Republica da 6ª Câmara e pela Funai como proselitista, está na reportagem O Mercado de Almas Selvagens.
A expulsão da família Luz e a NMTB dos Zo’é foi um duro golpe na vida dos missionários, que nunca desistiram de tentar retornar para a área. Luz filho nunca esqueceu desse trauma, como me disse pelo twitter: “eu morei em STM (Santarém) minha infância e adolescência? Conheço a carência da região faz muito tempo e quero ajudar!”
A Funai tem denunciado as investidas da missão New Tribes para tentar retornar para a área indígena e recomeçar o proselitismo entre os Zo’é, como em um programa de Luciano Huck na TV Globo. Os Zo'é são considerados um povo “de recente contato” pela Funai. Uma base forte em Santarém poderia ser uma estratégia geopolítica de atuação. É possível, dessa maneira, que trama politica e econômica em torno da região da Gleba Nova Olinda, no rio Arapiuns, envolva além de problemas de identificação indígena, exploração madeireira, e a sentença do juiz Portela, mas inclusive relação com a expulsão da New Tribes Mission dos Zo’é, em 1991.
Outro fato relacionado a este conflito é que, em 1991, o Projeto Saúde e Alegria havia feito uma parceria com a Funai para cuidar da saúde dos Zo’é após a expulsão da New Tribes. A situação era de emergência em razão da intensa mortandade e alta contaminação por gripe e malária que estava dizimando os índios. A missão New Tribes chegou inclusive a ser acusada de genocídio, e o descaso com a saúde dos indígenas era a principal acusação formal da Funai.
Vinte anos mais tarde, nas expedições realizadas pelo rio Arapiuns e que podem ter fomentado ainda mais o rivalidade entre as comunidades, foi utilizado o mesmo barco que o PSA sempre utilizou, o Abaré, um barco bastante conhecido na região. Porém, dessa vez, nas mãos do projeto Águas da Amazônia da parceria da Mormaii, Asas do Socorro e NEP-DPCT. Ao contrário de seus usos anteriores, no Abaré, durante essas expedições, novamente de acordo com as lideranças do CITA, a saúde teria sido promovida seletivamente, apenas para pessoas de uma certa categoria étnica, ou seja, que não se identificavam como indígenas.
A sentença de Portela, que segue o argumento de Luz, pode ter colocado mais gasolina nessa disputa que aparentemente vai além de terra e de madeira – mas também de almas. Dada Borari, uma das principais lideranças indígenas da região, é ameaçado de morte e tem sido vítima constante de difamação, seja pelo trabalho do antropólogo contratado por seus inimigos, seja até pela já citada matéria da revista Veja que expunha Dadá, ou mesmo agora, por um juiz federal. Há um temor na região de que a sentença venha a desencadear mais violência física nesse conflito e resultar em mortes.
Antes de terminar este texto liguei novamente para a Mormaii, na tarde da quinta-feira 11 de dezembro, para ouvir a versão da empresa sobre essa acusação de lideranças do CITA de que o projeto Águas da Amazônia teria discriminado as pessoas indígenas, mas Juanuk limitou-se a dizer que a “Mormaii vai publicar um comunicado no site” e desligou o telefone.
Abaixo, uma carta dos movimentos sociais de Santarém
CARTA CIRCULAR DOS POVOS IN DÍGENAS DO BAIXO TAPAJÓS
Nós, povos indígenas de diversas etnias como: Arapiun, Arara-vermelha, Apiaká, Borari, Cumaruara, Jaraky, Maytapú, Munduruku, Munduruku-cara-preta, Tapajó, Tapuia, Tupinambá e Tupaiú, localizados na Região do Baixo Tapajós, dos Municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, no Oeste do Pará, além de contarmos com o apoio de etnias de outras Regiões, COMUNICAMOS à sociedade em geral que, desde hoje (09/12/2014) estamos OCUPANDO o prédio da JUSTIÇA FEDERAL, localizada no Município de Santarem, por prazo indeterminado, como uma forma de protestar contra SENTENÇA JUDICIAL proferida pelo juiz da 2ª VARA FEDERAL, o senhor José Airton Portela, que declara “a inexistência da terra indígena Maró”,localizada na chamada Gleba Nova Olinda. O juiz declara em 106 laudas que os indígenas da T.I Maró seriam uma farsa.
Por conta dessa sentença judicial discriminatória, nós, povos indígenas acima mencionados, REAFIRMAMOS nossas identidades indígenas, não aceitamos no decorrer da História e não aceitaremos jamais a violência do branco colonizador, a recusa de nossas crenças, de nossa cultura e de nossos valores. Sabemos que as leis de forma geral não nos favorecem, porém não há lei que possa nos exterminar. Temos clareza que a política implementada pelos governos é anti-indigena e anti-ambiental.
Existimos sim, e sobreviveremos a mais um ataque preconceituoso e racista da elite branca santarena, da imprensa vendida, dos setores do agronegócio, e de políticos ruralistas. Resistimos a todas as adversidades no curso de nossa História com muita luta e dessa vez não será diferente.
Estamos com apoio de vários movimentos e entidades, na certeza que essa batalha será de longa duração. Por fim, tal sentença esta sintonizada com a escalada de violência na qual o nosso povo é submetido por todo o Brasil, assim queremos responsabilizar o Juiz Airton Portela por toda e qualquer violência cometida contra os nossos direitos, territórios e principalmente contra as nossas vidas.
A Justiça Federal fechou as portas e negou-se a receber os manifestantes, que pularam o muro e acamparam dentro das instalações. Um #Occupy na Justiça Federal. Durante a noite, foi feita uma cerimônia ritual. Ou uma “suposta” cerimônia ritual, como diria o juiz de acordo com os termos que ele utilizou na sentença para se referir aos “supostos indígenas”. Nos cartazes, chamam a Justiça de racista.
Nesse protesto chamou a atenção um cartaz inesperado: dois indígenas portam um cartaz culpando a Mormaii por financiar o “falso antropólogo” Edward Luz . Luz foi contratado pela associação Acutarm, lado oposto aos indígenas no conflito, e elaborou um laudo contra a demarcação da terra indígena. Ele se vangloriou no Twitter por ter produzido os principais argumentos acatados pelo juiz Portela contra os direitos indígenas – mesmo sem ter sido citado na sentença. Os indígenas denunciaram que a Mormaii patrocina uma ação “humanitária” na região em que ONGs ligadas a Luz são beneficiadas, e que isso estaria acirrando ainda mais os conflitos entre as comunidades, e isso repercutiu nas redes sociais.
A missão proselitista e os conflitos internos
Em seu website, a Mormaii diz que “Só uma marca como a Mormaii com espírito de aventura, arrojada e que vence obstáculos, busca atingir aqueles que precisam de ajuda, mas que dificilmente a receberiam devido às distâncias e barreiras naturais”. Essa “aventura” da Mormaii é o patrocínio do projeto “Águas da Amazônia”, coordenado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o desenvolvimento dos Povos e Comunidades tradicionais (NEP-DPTC) do Centro Universitário de Anápolis, do qual Luz faz parte. Foi Luz quem teria sugerido à Mormaii trabalhar nessa região de conflito através de uma parceria com a missão evangélica Asas do Socorro. Segundo ele, o Baixo Tapajós seria uma “região necessitada”.
Assim que a denúncia dos indígenas começou a circular, Luz apressou-se nas redes sociais a defender a Mormaii e atacar os indígenas que protestavam: “não tem nenhum "indigena" nesta foto, mas mestiços militantes q querem ser reconhecidos como tal. #AquiNãoMermão”. Luz costuma ser bastante ofensivo e agressivo nas redes contra quem pensa diferente de sua maneira: “please, não deixem esse militonto @felipedjeguaka denegrir vosso trabalho incrível no PA. Façam esse irresponsável responder”. E também: “sorte sua q eu não tenho os advogados da @mormaiioficial senão já tinha te assado na justiça” – escreveu ele, com a intenção de incitar a Mormaii a me processar judicialmente para intimidar este trabalho jornalístico, o que, além de tudo, ainda ameaça a liberdade de imprensa e de expressão.
Uma grande confusão no burburinho das redes sociais é a razão dessa aliança. Os indígenas especulam que Luz tenha procurado o investimento da Mormaii para agir em meio ao conflito de que ele mesmo é parte como antropólogo que advoga para um lado. Ao menos, a atuação das missões financiadas pela empresa de surf pode ter tido, até que o caso seja mais esclarecido, um impacto na fomentação dos conflitos e atuação racista na área. É o que informam as lideranças do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), como Dinael Cardoso.
A parceria organizada por Luz que envolve financiamento da Mormaii, a ONG holandesa Terre des Hommes, dona do barco de saúde Abaré, e a missão Asas do Socorro. O contexto da atuação das missões proselitistas na Amazônia, como a Asas do Socorro e da missão do pai de Luz, New Tribes Mission, e a busca por almas para evangelizar, foi objeto de uma longa investigação que publiquei na revista RollingStone.
Aventura na selva
Os anos de 2010 a 2012 foram bastante tensos na região da Gleba Nova Olinda, no alto rio Arapiuns. As comunidades contrárias a exploração madeireira, muitas das quais se identificam como indígenas, haviam queimado duas balsas lotadas de madeira em protesto. Queriam o fim da exploração madeireira predatória na região. E o barco de saúde Abaré, que era utilizado pelo Projeto Saúde e Alegria, que trabalha desde os anos 1980 na região, estava em disputa. Foi nesse contexto que surgiu a expedição idealizada por Luz para uma região “necessitada”. E essa ação de saúde bucal que ele trouxe para a área, de cunho “humanitário”, pode não apenas ter sido o estopim para acirrar conflitos sociais, como para a prática de proselitismo religioso.
Lideranças do CITA, como Dinael Cardoso e João Tapajós, além de outros comunitários entrevistados, disseram que o barco, enquanto funcionou com as missões evangélicas e com a Mormaii, apenas atracava em comunidades evangélicas na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, como a Prainha do Maró e a Nova Canaã. Teriam se recusado, inclusive, a atracar em comunidades não evangélicas. Essas ações também teriam sido discriminatórias, atendendo apenas àqueles que não se identificavam como indígenas, o que teria provocado mal estar — de acordo com as lideranças do CITA.
Procurei a Mormaii para ouvir da empresa a sua versão sobre essas denúncias. Liguei diversas vezes, falei com diferentes atendentes, e enviei e-mails solicitando informações. Eu já havia procurado a Mormaii em 2012, quando fui informado, pela primeira vez, pelos indígenas da região, e ouvi dois representantes da empresa que haviam se mostrado “surpresos” e se recusaram a conceder uma entrevista ou enviar um comunicado – apenas divulguei em minha conta pessoal no Twitter a relação da Mormaii com a missão Asas do Socorro.
Desta vez, após a sentença e o protesto dos indígenas, procurei, novamente, a Mormaii, e fui atendido por Sacha Juanuk, gerente comercial, que antes de começar a responder perguntas pediu o meu endereço pessoal — o que não é usual na relação entre jornalistas e entrevistados— para “enviar informativos”. Em seguida, pediu 48 horas para se pronunciar, e logo depois passou a responder parcialmente as questões, mostrando-se estar surpreso pela situação de conflito no rio Arapiuns e que envolve a ação da empresa.
“Temos hoje todo um release de um material onde deixa muito claro onde a Mormaii participa, chega e o ônus nesse projeto”, afirmou Juanuk. Pedi para ele enviar o material por e-mail para apresentar nesse texto, o que foi recusado. Algumas informações do projeto podem ser acessadas no website da Mormaii, como na página http://www.mormaii.com.br/sem-categoria/2012/05/projeto-social-aguas-da-amazonia-em-nova-missao/
Juanuk disse que não sabia que a área de atuação do projeto social era uma área de conflito na Amazônia. “Nossa filosofia de trabalho é levar qualidade de vida e elevar o nível de consciência dos evolvidos”, disse. E disse duvidar “que a Mormaii tenha envolvimento que possa afetar qualquer ser humano. A Mormaii, pela instituição, pela dimensão, afeta o meio ambiente. Mas não é isso, a nossa atividade principal é outra. A Mormaii não tem conhecimento de que essa é uma área de conflito”, insistiu Sacha Juanuk, não antes sem tecer para mim elogios do “seu bom trabalho de jornalista” através do qual, segundo ele, teria ficado sabendo do protesto dos indígenas. Juanuk afirmou que iria buscar mais informações internamente para responder as questões que fiz, porém ele não atendeu mais as ligações.
A Missão
A Asas do Socorro, parceira da empresa de surf, já foi expulsa da Venezuela e do Suriname, entre outros países, acusada de praticar proselitismo religioso. No Brasil, o proselitismo entre povos indígenas também é proibido — e as agencias missionárias desse cunho foram expulsas, em 1991, de todas as terras indígenas, durante a gestão do sertanista Sydney Possuelo como presidente da Funai. Um dos fatos que levaram à decisão da Funai foi justamente a atuação da missão evangélica presidida pelo pai de Edward Mantonelli Luz (o antropólogo contratado pela Acutarm), que se chama Edward Gomes Luz e é o presidente da New Tribes Mission no Brasil (NTMB), junto dos Zo’é, indígenas que vivem na Calha Norte do Pará e cujo acesso aéreo se dá a partir de Santarém.
A sede da New Tribes no Brasil fica na cidade de Anápolis (GO), onde também se localiza a Unievangélica, o NEP-DPTC — de Luz filho — e a Asas do Socorro. O contexto dessas organizações missionárias, que integram o guarda chuva da Associação das Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) cujas ações são descritas pela Procuradoria Geral da Republica da 6ª Câmara e pela Funai como proselitista, está na reportagem O Mercado de Almas Selvagens.
A expulsão da família Luz e a NMTB dos Zo’é foi um duro golpe na vida dos missionários, que nunca desistiram de tentar retornar para a área. Luz filho nunca esqueceu desse trauma, como me disse pelo twitter: “eu morei em STM (Santarém) minha infância e adolescência? Conheço a carência da região faz muito tempo e quero ajudar!”
A Funai tem denunciado as investidas da missão New Tribes para tentar retornar para a área indígena e recomeçar o proselitismo entre os Zo’é, como em um programa de Luciano Huck na TV Globo. Os Zo'é são considerados um povo “de recente contato” pela Funai. Uma base forte em Santarém poderia ser uma estratégia geopolítica de atuação. É possível, dessa maneira, que trama politica e econômica em torno da região da Gleba Nova Olinda, no rio Arapiuns, envolva além de problemas de identificação indígena, exploração madeireira, e a sentença do juiz Portela, mas inclusive relação com a expulsão da New Tribes Mission dos Zo’é, em 1991.
Outro fato relacionado a este conflito é que, em 1991, o Projeto Saúde e Alegria havia feito uma parceria com a Funai para cuidar da saúde dos Zo’é após a expulsão da New Tribes. A situação era de emergência em razão da intensa mortandade e alta contaminação por gripe e malária que estava dizimando os índios. A missão New Tribes chegou inclusive a ser acusada de genocídio, e o descaso com a saúde dos indígenas era a principal acusação formal da Funai.
Vinte anos mais tarde, nas expedições realizadas pelo rio Arapiuns e que podem ter fomentado ainda mais o rivalidade entre as comunidades, foi utilizado o mesmo barco que o PSA sempre utilizou, o Abaré, um barco bastante conhecido na região. Porém, dessa vez, nas mãos do projeto Águas da Amazônia da parceria da Mormaii, Asas do Socorro e NEP-DPCT. Ao contrário de seus usos anteriores, no Abaré, durante essas expedições, novamente de acordo com as lideranças do CITA, a saúde teria sido promovida seletivamente, apenas para pessoas de uma certa categoria étnica, ou seja, que não se identificavam como indígenas.
A sentença de Portela, que segue o argumento de Luz, pode ter colocado mais gasolina nessa disputa que aparentemente vai além de terra e de madeira – mas também de almas. Dada Borari, uma das principais lideranças indígenas da região, é ameaçado de morte e tem sido vítima constante de difamação, seja pelo trabalho do antropólogo contratado por seus inimigos, seja até pela já citada matéria da revista Veja que expunha Dadá, ou mesmo agora, por um juiz federal. Há um temor na região de que a sentença venha a desencadear mais violência física nesse conflito e resultar em mortes.
Antes de terminar este texto liguei novamente para a Mormaii, na tarde da quinta-feira 11 de dezembro, para ouvir a versão da empresa sobre essa acusação de lideranças do CITA de que o projeto Águas da Amazônia teria discriminado as pessoas indígenas, mas Juanuk limitou-se a dizer que a “Mormaii vai publicar um comunicado no site” e desligou o telefone.
Abaixo, uma carta dos movimentos sociais de Santarém
CARTA CIRCULAR DOS POVOS IN DÍGENAS DO BAIXO TAPAJÓS
Nós, povos indígenas de diversas etnias como: Arapiun, Arara-vermelha, Apiaká, Borari, Cumaruara, Jaraky, Maytapú, Munduruku, Munduruku-cara-preta, Tapajó, Tapuia, Tupinambá e Tupaiú, localizados na Região do Baixo Tapajós, dos Municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, no Oeste do Pará, além de contarmos com o apoio de etnias de outras Regiões, COMUNICAMOS à sociedade em geral que, desde hoje (09/12/2014) estamos OCUPANDO o prédio da JUSTIÇA FEDERAL, localizada no Município de Santarem, por prazo indeterminado, como uma forma de protestar contra SENTENÇA JUDICIAL proferida pelo juiz da 2ª VARA FEDERAL, o senhor José Airton Portela, que declara “a inexistência da terra indígena Maró”,localizada na chamada Gleba Nova Olinda. O juiz declara em 106 laudas que os indígenas da T.I Maró seriam uma farsa.
Por conta dessa sentença judicial discriminatória, nós, povos indígenas acima mencionados, REAFIRMAMOS nossas identidades indígenas, não aceitamos no decorrer da História e não aceitaremos jamais a violência do branco colonizador, a recusa de nossas crenças, de nossa cultura e de nossos valores. Sabemos que as leis de forma geral não nos favorecem, porém não há lei que possa nos exterminar. Temos clareza que a política implementada pelos governos é anti-indigena e anti-ambiental.
Existimos sim, e sobreviveremos a mais um ataque preconceituoso e racista da elite branca santarena, da imprensa vendida, dos setores do agronegócio, e de políticos ruralistas. Resistimos a todas as adversidades no curso de nossa História com muita luta e dessa vez não será diferente.
Estamos com apoio de vários movimentos e entidades, na certeza que essa batalha será de longa duração. Por fim, tal sentença esta sintonizada com a escalada de violência na qual o nosso povo é submetido por todo o Brasil, assim queremos responsabilizar o Juiz Airton Portela por toda e qualquer violência cometida contra os nossos direitos, territórios e principalmente contra as nossas vidas.
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