quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

VADIAGEM EM SHOPPING AGORA ESTÁ PROIBIDA.

Shopping do Rio proíbe público de "vadiar" pelas dependências do estabelecimento.

Proibição está no Código de Conduta para Clientes do Shopping Nova América e é considerada ofensiva pela OAB-RJ, que pretende oferecer denúncia ao MP.

 

RIO – Um despretensioso passeio, forma comum de passar o tempo, pode se tornar dor de cabeça para os frequentadores do Shopping Nova América, em Del Castilho, Zona Norte do Rio. De acordo com uma das 16 normas que compõem o “Código de Conduta para Clientes” do estabelecimento, as pessoas que circularem pelo centro comercial sem objetivo definido podem ser classificadas como “vadias” e solicitadas a se retirar do local. Caso não concordem em sair, podem até mesmo ser detidas e processadas por invasão.
O documento diz: “É proibido vadiar pelo shopping, sem motivo específico para estar presente”. A proibição está expressa na norma 14 do código, fixado nas paredes dos corredores do centro comercial. A jornalista Jéssica Moreira viu o documento no último sábado, quando esteve no estabelecimento e se surpreendeu com as normas.
— Acho natural que o estabelecimento queira preservar a ordem em suas dependências, mas as regras não podem ser tão genéricas. O que seria vadiar, no ponto de vista deles? Acredito que impedir a realização de manifestações que não tenham cunho comercial caso elas não tenham sido autorizadas pelo shopping é antidemocrático — afirma.
Para o advogado Aderson Bussinger, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, a norma trata os frequentadores de modo preconceituoso.
— Essa é uma norma arbitrária. O uso do termo vadiar é absurdo e fere a dignidade das pessoas. Atualmente, os shoppings têm substituído as praças como locais para interação social. As pessoas gostam de ir ver as lojas e passar o tempo nesses lugares. Essas proibições parecem querer definir o que é legal e o que não é, mas não existe um Código Penal de Shopping, que eles parecem querer criar. Vale lembrar que os seguranças desses estabelecimentos não têm qualquer tipo de autoridade policial — afirma.
Embora o documento não possua uma data que revele quando ele entrou em vigor, o especialista afirma acreditar que a norma possa ser uma reação ao movimento conhecido como rolezinho, quando grupos de jovens marcam pelas redes sociais grandes encontros para passeios em shoppings, que podem tirar os estabelecimentos da rotina.
— É possível que essa norma pretenda também evitar a prática dos rolezinhos. Neste caso, ela se torna segregacionista, porque quer definir o tipo de público que esses estabelecimentos vão receber, ignorando que ele deve atender a todos os públicos, sem preconceitos — afirma o advogado, que pretende pedir um parecer aos demais membros da comissão para oferecer denúncia ao Ministério Público.
POLÊMICA SEXISTA SOBRE AS ROUPAS
Outra norma polêmica, o texto do item 11 é genérico e dá margem a interpretações variadas. A norma informa que “É proibido não estar completamente vestido ou usar roupa que possa provocar algum tipo de distúrbio, ou envolver outros grupos, ou o público em geral em um conflito aberto”. A professora Hildete Pereira de Melo, do departamento de Economia da UFF, entende que a medida tem caráter sexista ao fazer crer que as roupas podem ser motivo de violência.
— Essa redação diz que as roupas podem causar distúrbio, mas que tipo de roupa poderia gerar qualquer distúrbio? Historicamente, a mulher sempre é culpada de tudo, desde Eva, mas ela não pode ser vítima de qualquer tipo de violência por causa da roupa. Em nossa sociedade, a mulher é estimulada a se vestir como objeto de desejo e, quando incorpora esse papel, se torna vítima de violência, passível de punição. Bastaria olhar as vitrines deste mesmo shopping para constatar que papel o consumismo atribui à mulher – afirma.
Para Bussinger, a norma seria mais efetiva se explicitasse qual tipo de roupa deve ser evitado. O advogado receia que a profusão de normas genéricas possa deixar muitas decisões importantes a critério dos donos dos estabelecimentos, sem qualquer fiscalização.
— Seria razoável se eles proibissem, por exemplo, o uso de trajes de banho, mas não é isso que acontece. Então, fica uma margem muito aberta para interpretações, e isso dá um poder muito grande ao shopping, porque ele passa a poder definir os critérios baseado no que bem entender — conclui.
Em resposta à reportagem do GLOBO-Zona Norte, a assessoria de imprensa do Shopping Nova América afirma que “O Código de Conduta foi elaborado em 2006 e utiliza termos adequados ao período que foi criado. O empreendimento já estuda a revisão do regulamento devido às mudanças no comportamento da sociedade e à necessidade de atualizar a nomenclatura. As normas são válidas apenas nas dependências do mall e são genéricas, cabendo avaliação de cada caso e analise das circunstâncias do ocorrido. O Nova América reitera que o Código de Conduta tem como objetivo proporcionar um ambiente de conforto e bem estar a todos os visitantes e funcionários, além do bom funcionamento do shopping”.

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