Os irmãos Batista: "Esses caipiras deram um banho em Marcelo Odebrecht.”
No
começo deste ano os irmãos Joesley e Wesley Batista foram à
Procuradoria-Geral da República com uma proposta: queriam fazer uma
delação premiada. A oferta era irrecusável. Os donos da JBS tinham na
gaveta segredos inconfessos sobre os governos de Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff. Os mais sombrios se referiam a uma frente ainda
pouco conhecida e muito desejada pelos investigadores da operação Lava
Jato e de seus desdobramentos: o BNDES, a maior caixa-forte de
investimentos do governo, protegida sob um manto de legislação que
impedia que policiais e órgãos de controle abrissem suas planilhas.
Os Batista queriam falar, mas antes
de subirem os elevadores da Procuradoria-Geral da República eles
arquitetaram um plano. Ao contrário dos empresários que se converteram
em delatores após meses de cadeia, os irmãos acordaram com os
procuradores que não seriam presos, sequer usariam tornozeleira
eletrônica; suas empresas sofreriam o mínimo dano possível; Joesley
Batista recebeu, inclusive, a garantia de poder continuar morando nos
Estados Unidos, longe dos holofotes e de cenas constrangedoras em
camburões e delegacias. “Foi um golpe de mestre”, disse-me um auditor do
TCU. “Enquanto os outros empresários estão mofando na cadeia, eles
conseguiram garantir sua liberdade e a segurança de seus negócios. Esses
caipiras deram um banho em Marcelo Odebrecht.”
Os Batista ainda garantiram que a
única penalidade que eles sofreriam seria o pagamento de uma multa de
225 milhões de reais. “Não não dá pra chamar de troco. Isso é uma meia
gorjeta. É nada diante da quantidade de dinheiro que receberam do
BNDES”, me disse o gestor de um grande fundo de investimento. “Eles
montaram um império na base da corrupção e do dinheiro público e agora
saem ilesos pagando apenas essa multa ridícula?”, questionou.
Ontem, o que se comentava no mercado
financeiro era que a multa seria paga com dinheiro fruto do próprio
plano pré-delação. Os Batista, conscientes do estrago que as divulgações
das gravações de Temer e Aécio causariam no mercado – principalmente na
cotação do dólar –, trataram de especular na Bolsa de Mercadorias e de
Futuros, a BM&F. Fizeram aplicações em moeda norte-americana,
apostando na alta. Resultado: estima-se que, com essas operações, eles
lucraram cerca de quatro vezes o valor da multa.
A esperteza da dupla também seduziu
os americanos. Lá, eles se comprometeram a fazer um acordo de leniência
entregando todo o esquema de corrupção com autoridades brasileiras. Em
troca, eles poderão continuar operando suas empresas nos Estados Unidos.
Hoje, 80% da operação da JBS está
fora do Brasil, o que é também motivo de crítica dos analistas. Eles
questionam o fato do banco ter despejado tanto dinheiro em um grupo
cujos negócios estavam sendo desenvolvidos no exterior, o que não
geraria nem empregos nem renda no Brasil. Os Batista chegaram a tentar
mudar a sede da empresa para a Irlanda, um paraíso fiscal, mas não
receberam autorização do BNDES. Recentemente, tentavam transferir a sede
do grupo para os Estados Unidos, onde se encontra a maior parte de suas
fábricas.
Desde 2005, o BNDES vinha despejando vultosos recursos no caixa da empresa fundada pelo pai dos Batista em 1953. O pequeno açougue se tornaria a maior processadora de carnes do mundo, graças aos mimos do banco estatal. Foram 10,63 bilhões de reais investidos na companhia. Tamanha generosidade com a família Batista chamou a atenção do mercado.
Empresários do setor e analistas batiam cabeça para tentar entender a
razão para o BNDES ter despejado tanto dinheiro em uma única empresa,
cujo impacto na economia seria baixo frente ao montante investido.
Os irmãos Batista já vinham sendo
investigados antes da proposta de delação. Eles eram informados sobre as
investigações por meio do procurador Ângelo Goulart Villela que atuava
em uma das operações. Pagaram altas somas ao procurador para que ele os
avisasse sobre o passo a passo das investigações que os cercavam.
Villela, antes de ser afastado pela Procuradoria, acionou o alarme. Ele
sabia que a corda estava por estourar.
Sentindo o cerco se apertar, os
irmãos entenderam que a única saída seria propor ao Ministério Público
um acordo. O medo dos Batista era terminar como os empresários Marcelo
Odebrecht – controlador da empresa –, Léo Pinheiro, da OAS, e outros
executivos de empreiteiras: na cadeia, forçados a confessar enquanto
suas empresas derretem em praça pública, perdendo contratos e novos
negócios. O foco de maior preocupação era o grupo J&F. Dono da JBS e
de mais uma série de empresas nas áreas de papel e celulose, sabão e
couro, o conglomerado poderia ser reduzido drasticamente, a exemplo de
várias empresas envolvidas na Lava Jato.
O plano dos Batista, antes de o
escândalo estourar, era fazer um IPO, uma oferta pública inicial de
ações nos Estados Unidos, mas eles abortaram a operação diante da
constrangedora situação em que se encontravam. Ao se apresentarem
voluntariamente aos procuradores, os irmãos tinham muito mais
informações a oferecer além da participação do BNDES. Durante anos, eles
financiaram políticos de vários partidos. Nas eleições de 2014, a
empresa doou 366,8 milhões de reais às principais campanhas.
A negociação com o MP foi muito bem
alinhavada. Para salvar a própria pele, Joesley Batista gravou o
presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves em diálogos nada
republicanos. Em um deles, com Temer, Joesley fala sobre Eduardo Cunha, o
deputado cassado preso em Curitiba desde o anos passado. Ele diz:
“dentro do possível, eu fiz o máximo que deu ali, zerei tudo o que tinha
de alguma pendência”. O diálogo dá margem para a interpretação de que o
empresário estaria comprando o silêncio de Cunha, que guardaria segredos capazes de entregar toda a cúpula do PMDB. Em outro, com Aécio, negocia uma propina diretamente para o senador.
Joesley também se comprometeu com a Polícia Federal a colocar os chips
nas mochilas que foram usadas para a entrega das propinas.
Desde 2015, o Tribunal de Contas da
União tentava, sem sucesso, fazer com que o BNDES liberasse os dados das
operações firmadas com a JBS. O banco se recusava a fazê-lo, alegando
sigilo bancário. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, que
mandou a instituição abrir a caixa-preta. Mas, foi somente no ano
passado que o banco finalmente enviou para o TCU a base de dados com
todas as operações contratadas com a JBS. Era uma planilha bomba.
Os auditores do TCU concluíram que
muitas das operações firmadas com o frigorífico foram prejudiciais ao
banco estatal. Pelas análises, as operações que maior dano provocaram
foram as realizadas pelo BNDESPar, o braço de participação acionária da
instituição. Em vez de simplesmente emprestar dinheiro para a empresa –
que assumiria o risco do empréstimo –, o banco tornou-se sócio do
negócio, em percentuais acima de 30%, mais do que era permitido pelas
regras do próprio BNDES. O TCU estimou que as perdas do banco com a JBS
podem ultrapassar 1,2 bilhão de reais. Em abril, o TCU julgou irregular
uma das operações feitas pelo banco com o frigorífico (a compra da
americana Swift Foods pela JBS, em 2007). Apesar de tudo, o
ressarcimento pedido pelo Tribunal foi de meros 70 milhões de reais.
A decisão do TCU, no entanto, foi o
estopim que deflagrou a operação Bullish, da Polícia Federal, que, na
sexta-feira passada levou Wesley, um dos irmãos Batista, a depor
coercitivamente na Polícia Federal. Joesley Batista e Luciano Coutinho
também foram convocados, mas estavam no exterior. Trinta e sete
funcionários do banco receberam mandados de condução coercitiva para
prestar esclarecimentos. Coutinho enviou em 16 de maio deste ano uma
carta à piauí afirmando que as operações foram absolutamente legais.
Além do TCU, os irmãos Batista também
estavam sob a mira de outra operação, a Greenfield, que investiga
prejuízos sofridos por fundos de pensão dos funcionários de empresas
estatais, entre eles a Funcef, da Caixa Econômica Federal, e a Petros,
da Petrobras, em negócios com grandes empresas, JBS incluída. Em
setembro do ano passado, os dois irmãos chegaram a ter os bens
congelados por ordem judicial e foram proibidos de continuar à frente
dos negócios. Só conseguiram desbloquear o patrimônio após depositarem
1,5 bilhão de reais em um seguro-garantia. Eles também eram alvo da
operação Carne Fraca, que investigava a compra de fiscais do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para que fizessem vista grossa a
negócios irregulares tocados por frigoríficos.
Perguntei a um integrante do TCU o
que ele achou do desfecho da delação dos Batista. “Espero que as
vantagens que receberam em troca realmente tragam algum benefício para o
país”, ele me confidenciou. “Um acordo desses tão vantajoso para os
criminosos só vai valer a pena se for para renovar definitivamente o
cenário.”
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